domingo, 4 de maio de 2014

A par



Não é por menos que ficarmos sentados no banco da varanda era muito mais expressivo do que dizer palavras sobre o que sentíamos naquele momento. Era como a queda do breve estoque de amor que havíamos guardado, ou que pelo menos eu tinha e ainda não me arrependia. Não sabia o que fazer depois daquilo. Pensei em me levantar e ir embora para o todo e vamos-lá-todo-mundo sempre. Só que o sempre é uma mentira furada que contamos para nossos filhos e netos quando eles estão na cama e querem ouvir histórias fantásticas. Aquele banco era a representação da nossa tal abençoada ignorância das coisas, ou pelo menos da sua ignorância e repressão interna. Nunca brigamos porque nunca houve verdadeiro amor naquilo tudo. Talvez um pouco de saudade física de ambos os lados. Um joguinho de tensão e líbido para esquecer do pavor imenso de sentar sozinho para almoçar na própria casa num domingo ensolarado.

- Não sei o que fazer - ela me diz com aqueles olhos arranhados de maresia tardia, - juro que não sei.
- Bom, você poderia ficar quieta - eu respondo ela, como se ela tivesse feito uma pergunta, como se ela tivesse merecido o tapa. Sua cara ficou vermelha, os olhos mais arranhados, emaranhados naquelas lágrimas de crocodilo que ela usava a todo instante.
- Bem, como você se sente?
- Péssimo, e espero que você se sinta assim ou pior.
- Por que tudo isso?
- Entregamos nossos corpos para completar um buraco que nós mesmo cavamos. Eu precisei de mais. Você não. Eu te amei, você não.
- Eu te amei - ela revidou.
- Lógico.

Foi então que eu levantei, a garrafa de cerveja ainda na minha mão, ainda com o terno e com a gravata. Virei para ela e a vi com aquele vestido branco e azul, uma beldade aos meus olhos opacos. 

- Podemos seguir em frente - eu digo finalmente.
- Para onde?
- Você, eu não sei. Quanto a mim, para longe daqui.

E saí pelo portão como se saísse de uma vida de coisas fixas, de calendários e datas marcadas, de convites de casamento onde eu respondia que sempre iria com alguém. A festa havia acabado e não podia negar que sentia rancor. O sol estava se pondo, e minha crença do para sempre também.

- Podemos nos encontrar algum dia - eu digo ainda com a garrafa de cerveja na mão e já fora da varanda, já na rua. Quero andar, sentir o vento -, mas não gostaria. Boa vida.

Fui seco na despedida. Ela não disse nada. Não virei para trás. Ninguém precisava fazer isso. Eu era teimoso e ela uma imbecil. Casal perfeito em muitas imaginações, inclusive na minha. 

Então brincamos de seguir em frente, como uma nostalgia, uma frente fria, uma possessão além do nosso controle. Até o dia que nos vimos e nos reconhecemos de um passado distante. 

- É bom te ver - ela me disse.
- É, bom te ver também.

É engraçado como coisas antigas parecem novas e como sentimentos se escondem nas fissuras mais tensas do teu coração, esperando um pouco de ar para pegar fogo e nunca mais sair da combustão. 

Quando me vi, já havia me queimado.

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