segunda-feira, 26 de agosto de 2013

À procura



Você sai por aí tentando encontrar alguma coisa, mas não sabe o quê. Passa pela livraria, checa os preços, os títulos, vê as pessoas, as observa enquanto elas pegam livros que você nunca pegaria, enquanto elas vivem vidas que nunca viveria, e não se dá por satisfeito. Diz para a vendedora que só estava dando uma olhada e logo se vai para a rua, ainda tentando encontrar algo que satisfaça. Então caminha mais um pouco e entra numa loja de roupas. Verifica preços e estilos, roupas que vestiria, roupas maiores que você, roupas menores que você, roupas vulgares, roupas sedutoras, roupas ridículas, roupas que nunca vestiria. Você olha para as pessoas em volta, checa o que estão provando, o que estão vestindo, o que estão comprando e até mesmo o que estão deixando de lado. Quando a vendedora pegunta se poderia lhe ajudar, você diz que estava dando apenas uma olhada. Sai da loja ainda com um vazio latente e decide por procurar novos horizontes. Entra numa lanchonete e vai vendo os preços das comidas, lanches, refrigerantes, sucos e doces. Se senta numa mesa e espera a garçonete lhe atender somente para lhe dizer que não sabia o que comer e, quando ela virou as costas porque você tinha pedido um pouco mais de tempo para gerar uma decisão, você sai do lugar, enquanto repara em algumas conversas desajeitas, em alguns casais e quase casais. Em improváveis casais, em amigos que seriam sempre amigos, em pessoas desconhecidas que te desconheciam e ignoravam a sua existência enquanto saía envergonhado para o olho da rua. Você fica atordoado, desesperado, pensado onde ir. Vai para a perfumaria e verifica os preços, as marcas, as pessoas. Joga alguns perfumes em você e sente um pouco de desgosto na língua, como um amargo azedo no doce da existência. Quando uma das garotas que lá trabalham lhe pergunta se poderia te ajudar, você diz, com uma voz já sofrida, que estava apenas dando uma olhada. Você repara nas pessoas e em como elas se sentem bem cheirando bem, parecendo bem. Você sai de novo da loja, já sem esperanças. Segue para o supermercado, pega um carrinho, olha os preços, vagueia por todos os corredores em busca de alguma coisa. Vê as pessoas andando, magras, gordas, feias, bonitas, simpáticas, carrancudas, mal-humoradas, alegres, tristes, infelizes, melancólicas, caladas, falantes, sozinhas, acompanhadas, altas, pequenas, mulheres, homens, garotos, garotas, guris, gurias, meninos, meninas, punks, roqueiros, sambeiros, funkeiros, aventureiros, introvertidos, extrovertidos, issos, aquilos. Ninguém te pergunta o que você quer e acaba saindo de lá com as mãos vazias, pendendo nos bolsos da calça. Sem saber onde ir, anda a esmo e vai parar numa praça lotada, onde não há preços para serem vistos, apenas as pessoas e os bancos, vazios e lotados. Você senta em um e decide olhar para o céu em busca de algo que você não sabe o que é. Olha para as estrelas, já é noite, sua andada se estendeu quase até a madrugada. Conta as estrelas, as arranja de outras maneiras, cria formas abstratas, imagina cenas e não cenas, tenta arrancar o brilho de todas elas e levar para casa em teu olhar. Você abaixa a cabeça e olha para a praça, para todas as pessoas andando, se divertido, sofrendo em seus silêncios agudos e ainda não sabe o que está procurando. É quando passa um ser que toma a sua visão e o brilho que havia roubado das estrelas. Um ser que você já havia visto centenas de outras vezes, um ser que ao seu pensamento já havia sido levado milhares de vezes. Um ser que você conhece de seus dias e de seus sonhos acordados. Um ser etéreo, vindo de seus maiores sonhos além da realidade. O ser caminha numa direção perpendicular aos seus olhos, e anda, e caminha, e brilha e vive. É nele que você deposita sua visão, sua audição, seu olfato. Gostaria de ir lá e lhe apertar contra o peito, mas não sabe porque está preso, sentado num banco estragado de uma praça velha e cheia de pessoas. O ser olha para você e, finalmente, você sabe o que anda procurando em todas as lojas que foi e saiu. Em todos os estabelecimentos que entrou e foi embora. Em todas as perguntas de ajuda. Você procurava algo e não sabia onde encontrar, porque o que procurava não podia ser vendido, não podia ser alugado, não podia ser comido. Só podia ser visto, sentido, cheirado, observado. Era algo além da incompreensão e nem as estrelas salvariam sua alma do sentimento intenso e tumultuoso que era estar olhando para aquele ser de outra dimensão, feito de fantasia, e ter o coração expandido e esmagado num paradoxo que poderia ser explicado em uma palavra, mas que nunca expressaria o verdadeiro ardor que sentia no momento de encontro de seus olhos com os dele, num brilho tão perverso que a vida, finalmente, fazia sentido. 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

nós, pós, após



ao pensar na palavra tal dita, maldita
ouso me dar um leve arrepio
para que cada sopro de cada assobio
de exaultação te trouxesse para cada parada
fulminante que consigo ter e conter
ao tentar repelir o teu ser de meu ser

ao imaginar o que poderia ter dito
retiro o pensamento com um suspiro
incendiando o ar que respiro
numa tentativa de reesquecer o que poderia ter tido
se você ficasse pro jantar de quarta
e te dissesse o quanto nossa solidão me aparta

ao falar de algo que rima com você
corrijo cada rima com pavor
de me inundar no forte odor
do perfume que usava com tanto sabor
enquanto carregava nossas dores numa mala de amargor
e ignorava a rima
e a métrica
do frequente labirinto que era
ser minha