domingo, 30 de junho de 2013

Engano


acho que meu telefone está danificado

quando ligo, às vezes, ouço ela falar
e ela nunca ouve o que digo
nem quando digo que a amo
ou quando chego perto de fazê-lo

às vezes, ela me escuta pelo outro lado da linha
e eu, afirmado em meus desejos, tento escutá-la
ao máximo que posso, sempre que posso
mas só sinto a friagem do telefone em minha orelha
e o ruido estático do
"até que poderíamos dar certo"

quando a ligação é completada e um consegue ouvir o outro
nada parece ocorrer do jeito certo
porque eu falo de amor e ela de ligações não completadas
números discados que não me pertencem
todos eles tão alheios quanto o ar que respiramos;
porque eu uso um tom de voz afetado
e ela não liga pra chamada
e nem tenta discar o número de emergência

porque eu deixo me elevar pela sensação de sua voz
e ela nem se preocupa
e apenas desliga o telefone sem dizer adeus

deve ter uma falha grande de comunicação e discagem
no meu telefone, que nunca disca o número certo

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Toda a forma de poder


É difícil fingir ignorância quando você sente que o que chega até você é forte, é nocauteador. 


Um dos meus avôs, o meu materno, foi mártir da Ditadura Militar, mas quem se importa com isso, não é? As pessoas não se importam com o que foi a Ditadura Militar porque ninguém de suas famílias sofreu o baque que os integrantes da minha sofreram. Eu cresci num ambiente em que jornalistas, cineastas e políticos (originalmente de esquerda) vinham falar com a minha família sobre o que acontecera ao meu avô. Eu soube diretamente das pessoas que viveram a repressão da Ditadura Militar o que foi aquilo tudo. Conversei com guerrilheiros, com políticos, com trabalhadores que consideravam, e ainda consideram, meu avô um heroi, que, infelizmente, quase nunca é lembrado pelos livros de história.

Com todos esses relatos, eu criei uma imagem quase nítida de como foram aqueles anos de repressão, em que um "piu" era recebido com uma cacetada, uma prisão, uma tortura. Em que as pessoas temiam qualquer forma de expressão. E é impressionante ver o quanto progredimos, já que os relatos que li sobre as manifestações, principalmente em São Paulo, lembram tanto a Ditadura Militar, com sua repressão desonesta, sem motivação verdadeira, violenta até a última gota.

Leio e leio cada vez notícias, mais e mais depoimentos de pessoas que estiveram lá, sentiram na pele e na alma o que foi aquilo tudo. Pessoas comparam com a Ditadura. Pessoas comparam com o AI-5. Pessoas são presas, são machucadas. Imprensa é ferida. Cada coisa que eu leio, eu consigo fazer uma conexão com a década de 60 e 70. Temos nossa liberdade de expressão, mas, aparentemente, ela não pode ser aceita porque o governo não nos permite verdadeiramente isso. Ainda estou surpreso pelo fato de poder estar escrevendo na internet no conforto da minha casa sem ouvir uma bomba de gás lacrimogênio vencida ecoando pela janela da sala.

Ficamos ignorantes, desleixados. É muito mais fácil aceitar as coisas do que correr atrás delas, de tentar mudar alguma coisa. E acho isso que acabou. As manifestações estão aí, não somente em São Paulo, mas no Rio de Janeiro, em Brasília (!), em Maceió, em Fortaleza, em Porto Alegre. Esse é o povo brasileiro realmente acordando para lutar pelos direitos garantidos em constituição, mesmo que a mídia não os ajude e só deturpe os fatos.

Eu não sou contra nenhuma das manifestações. Se eu pudesse, estaria no meio delas, mesmo que isso sugerisse ser espancado, levar tiros e ter uma garrafinha de vinagre tirada de mim (porque eu poderia fazer um explosivo, é lógico). 

E o mais engraçado de tudo é que amanhã começa a Copa das Confederações. Ano que vem tem Copa do Mundo. E em 2016 tem Olimpíadas. Fico me perguntando como a polícia vai conseguir proteger os gringos se eles fazem o que fizeram com o povo brasileiro que só estava exercendo o direito de ser um cidadão, sem violências, até a hora que as tropas de choque chegaram.